Sinal de desigual

Singular ou em duplas, com paralelismos ou espelhamentos, o trabalho recente de Ding Musa faz pensar em equações. Fórmulas químicas, proporções algébricas, equivalências geométricas e equilíbrios de forças. São notações fundamentais para toda a educação porque nos deixam expressar, quantificar e calcular relações entre grandezas mais ou menos abstratas.

Os aparatos de percepção elaborados por Ding Musa (usualmente fotografias, mas podem também ser objetos, instalações e vídeos) compartilham com as equações a comparação entre dois ou mais conjuntos como equivalentes, embora assimétricos. Quer dizer, se existe um sinal de igual, uma seta ou outro signo no meio de uma fórmula é porque é possível unir dois conjuntos por alguma relação de igualdade, transformação, reação etc. Se a=a', é porque a e a' são equiparáveis, mas também suficientemente diferentes para justificar a existência da equação.

Então, se vemos uma imagem composta de dois registros fotográficos praticamente idênticos, iguais enquadramentos de uma parede azulejada em que um espelho reflete outra seção de azulejos brancos, rapidamente entendemos que a (a parcela esquerda da foto) é igual à a' (a parcela direita). Mas seria necessário provar essa igualdade tão evidente com tal equação fotográfica? Seria preciso imprimir as imagens como uma? Talvez, e sobretudo se notarmos que elas não são de fato idênticas. Primeiro pela diferença entre os atos fotográficos: uma coloca os azulejos da parede em foco, a outra desloca a distância focal entre as lentes para deter-se nos outros azulejos, naqueles refletidos pelo espelho. A diferença, já que são superfícies tão afins, é sutil, confunde-se com a mudança delicada de foco que nossos olhos fazem a todo momento para manter-se cientes da profundidade do que enxergam. A assimetria discreta dessas imagens torna palpável um volume espacial real descrito na superfície fotográfica planar e bidimensional.

Depois, há diferença na superfície mesma das duas partes da imagem. É o que aparece como risquinhos, pontos escuros, falhas minúsculas que podem ser tanto máculas na alvura dos azulejos, poeiras flutuantes diante da lente, ou até imprecisões do papel e da impressão. Não importa, pois o que elas revelam é a falibilidade dos materiais quando instados a corresponder com ideias abstratas. São fissuras distintas em cada metade da obra, que demonstram que, mesmo quando organizada como uma equação, a materialidade do real resiste em abstrair-se.

Muitas das obras da exposição de Ding Musa, principalmente quando há duas ou mais partes similares, convidam o espectador a perscrutar possíveis diferenças entre elas. Perceber as relações de equivalência aparente e a infinita desigualdade que a realidade traz. É prática que faria bem também para duvidar da pecha de "exatas" que a educação aplica aos campos de conhecimento mais afins às fórmulas e equações.

Mas nem sempre a diferença entre dois é o princípio ativo na obra de Ding Musa. Às vezes, olhamos para uma unidade, como na obra que abre a exposição: um círculo feito de barra rosqueada, também chamada "parafuso infinito", em cuja extensão pode correr uma rosca, uma "porca". Aqui não há uma comparação tão evidente. Transbordam metáforas de unidade. O círculo e o ponto. A representação do átomo de hidrogênio. A cobra (a barra) que se faz infinita quando morde o próprio rabo. Se fosse uma equação, poderia ser uma função em que b -> b, quer dizer, em que algo tende a si mesmo. Ou então, em que b tende a infinito (positivo ou negativo). Claro que há alguma espécie de embuste ou truque, pois senão como haveria a porca entrado no parafuso sem pontas soltas? É que nenhuma equação é verdadeiramente finita e fechada. Sua fissura aparece no limite do provável. E a improbabilidade da perfeição se reforça mais adiante, ao final da sala, quando se encontra esta obra por uma segunda vez, idêntica mas diferente. O artista Jeff Wall já disse que se a fotografia tivesse que ser comparada a uma forma literária seria com a poesia em prosa. No caso do trabalho de Ding Musa, poderíamos pensar em palíndromos e poemas de estrutura simétrica, ou, olhando um conjunto de vários trabalhos, pensar em contos de literatura fantástica com narrativa circular, em que terminamos mais ou menos como começamos, só que transformados.

Por outro lado, no que tange a sua organização compositiva, o trabalho às vezes faz lembrar formas pictóricas, esquemas construtivos com seus planos de cor, ritmos e diagonais. Nesses momentos, não se trata de acidente e tampouco é algo que “justifique” os trabalhos. Seria plausível pensar que isso acontece porque Ding compartilha com a tradição da arte construtiva concreta dos idos anos 1950 e 1960 o interesse pelo raciocínio lógico, organizado em equações simples, que por isso procura fricções com o desenho geométrico. A diferença é que se lá a lógica deveria prevalecer pura, apenas matizada pela intuição, aqui ela é apresentada para demonstrar seus limites e fissuras, mesmo que sutis.

A cada observador desses trabalhos caberá certa tarefa de raciocínio e projeção lógica, conduzida pela concisão compositiva das obras reunidas. Se no final tudo parecer muito matemático, é possível recomeçar e, simplesmente, brincar de “sete erros”, como nos passatempos dos jornais de antigamente. Em todo caso, é bom não esquecer que mesmo a menor das diferenças, se observarmos muito de perto, no limite, tende ao infinito.

Paulo Miyada